quarta-feira, 23 de julho de 2014

Ariano Suassuna fez sua última apresentação em Garanhuns - PE

Ariano Suassuna era conhecido, entre outros, pela interação com o público - Hans Von Manteuffel / Agência O Globo

De “O Globo”, Por Letícia Lins/Breno Salvador
RECIFE e RIO — Ariano Suassuna por pouco não morreu como gostaria: no palco. Na quarta-feira (16), o escritor havia dado uma aula-espetáculo para 1.600 pessoas no Teatro Castro Alves, em Salvador, cumprindo o "Arte como Missão", projeto cultural sobre sua obra que vem percorrendo todo o país. No palco, falou sozinho e foi aplaudido de pé. O tema que abriu a ocasião foi justamente a morte. Dois dias depois, fez sua última apresentação, em Garanhuns, onde não deixou de lado o bom humor.
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— Ele começou falando sobre a morte. “Eu até pedi para Caetana (expressão que representa a morte) que ela não viesse em 2014, só para ver essas homenagens todas que fazem. Estou tentando não ficar vaidoso”, ele brincou — conta Ana Addobbati, jornalista e executiva de marketing pernambucana que mora em Salvador e acompanhou a aula na capital baiana.

Segundo Ana, Ariano encerrou a apresentação com uma poesia que escreveu para o pai. “Não sou conhecido como poeta. Me perdoem se não acharem bom”, brincou, antes de declamar a homenagem. Ela conta também que o escritor teve de encerrar sua participação mais cedo, em função do cansaço e da fragilidade de saúde.

— Uma colega paulista comparou a ocasião a uma partida de Copa do Mundo. Senti que foi bem como uma despedida, porque ele poderia partir logo. Sou torcedora do Sport e sempre torcia ao lado dele na Ilha do Retiro. Ele falava com todo mundo. Era tão importante, mas alguem tão acessível também. Quando fiz uma peça no colégio, aos 15 anos, ele foi. Muita gente relata situações deste tipo. Ariano era gente como a gente.

A APRESENTAÇÃO DERRADEIRA
Na sexta, Ariano viajou para a cidade de Garanhuns, a 230 kms da capital pernambucana, onde deu outra aula-espetáculo, acompanhado de músicos e bailarinos. A aula foi "tributo a Capiba", um dos mais famosos compositores de frevo do Recife, e com o qual Ariano dividiu a autoria de duas canções.
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O teatro onde falou estava lotado, com mais de 800 pessoas que o ouviram atentamente e também o aplaudiram de pé. O espetáculo tinha previsão de durar uma hora e vinte minutos, mas prolongou-se por duas horas e dez minutos. Ao final, um dos espectadores perguntou o que ele achava do cantor Michel Jackson, já falecido, ser considerado um dos melhores dançarinos da raça negra. Com a paciência de sempre e a simplicidade dos sábios, ele anunciou:
— Vocês vão ver agora um dos melhores bailarinos do mundo.

E chamou ao palco o bailarino popular Gilson Santos, mais conhecido em Pernambuco como Meia Noite, que desenvolve trabalho social em uma comunidade pobre do Recife, a Chão de Estrelas.

Leve como um pássaro, Meia Noite, que também é negro como o americano, deu seu show. E Ariano retrucou:

— Invocar a raça negra é um recurso que se usa, mas na verdade, só existe uma raça, a raça humana — disse.

Ariano recolheu-se depois ao hotel, em Garanhuns, e ainda foi homenageado na manhã seguinte. Voltou ao Recife, disposto, falante e feliz, segundo um dos seus assessores, Samarone Lima. No Recife, passou mal na segunda-feira e foi internado. Ele dizia que se morresse no palco, morreria realizado. Por poucos dias, seu desejo não foi realizado. desejava uma "morte limpa" (rápida e sem sofrimento). O desfecho foi como ele sempre pediu, o sofrimento pela enfermidade não teve longa duração.

O velório de Ariano tem início marcado para as 23h da quarta-feira, sede do governo estadual. O sepultamento ocorre na quinta, no cemitério Morada da Paz, no município de Paulista, localizado na região metropolitana.

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